quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Florbela espanca



Era madrugada de um sábado, possivelmente um ou dois atrás. Fazia um calor excessivo lá fora. Florbela parou por alguns segundos. Refletia a respeito do sentido daquele momento que vivia, ao fora levada impulsionada por sua incurável curiosidade que já a metera em situações constrangedoras, como naquela vez em que procurava por um coelho no jardim da casa de praia de seu tio e quase teve a cabeça cortada por uma rainha que curtia rosas vermelhas, mas voltou a si com a súplica do homem de quatro sob seus pés:

- Espanca! Espanca!

Cessaram então seus pensamentos sobre Freud, Jung e a Igreja Católica. Ela não queria mais entender aquela necessidade do rapaz nem a sua própria contribuição ali. Foi quando ela passou de golpes mecânicos e desinteressados a açoitadas vigorosas por todo o dorso do corpo que se contorcia a cada novo sulco aberto em sua pele, a cada filete de sangue que manchava a roupa de cama. Lá dentro estava quente também e ela gostou mais de sangrar a bunda bem feita do cara. Sangrava mais e mais rápido ali, esticadinha feito couro de boi curtindo ao sol.

E em meio aos sonoros gemidos ou descontrolada pelo poder a ela conferido ou, ainda, animada pela cor forte do sangue, como um touro que revida à provocação rubra do toureiro, a dominadora saiu definitivamente do estado de indiferença em que se encontrava, pois agora sentia prazer em compasso com o rapaz e desferia golpes mais severos à medida que se excitava, ao passo que pressionava entre as pernas com a outra mão. Cada vez com mais vontade batia, cada vez mais o escravo gemia, cada vez mais se excitava, até que o prazer de um encontrou o prazer do outro em uma explosão intensa vermelha de um esforço sanguíneo, onde cada músculo latejava ainda em movimento e de cada fenda escorria o produto desejado e, naquele dia, Florbela espancou pela primeira vez.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Poema-passagem-para-o-inferno

Ele tem as bochechas rosadinhas
é cheio de afetações e "nojinhos."
Nunca assistiu um filme pornô!
e gosta de se distrair
indo a teatros e cinemas cult.

Abomina a ressaca que se segue à mundana distração de um churrasco sem carne.

Ora, ele é um intelectual,
bem preparado para a vida profissional
embora sempre com uma gripezinha,
alergia ou tédio...pelo menos
ele sempre terá dinheiro para
pagar o analista que finge que o escuta
mas nunca
vai comer uma puta.

sábado, 29 de outubro de 2011

Trajetória

Querendo
dormir
nos
braços
da
que
da
no
ar

Eu
pesado
em
rota
de
colisão
pra
sempre
sumindo
con
sumido
pelo
ar

O universo
sou eu
no
tempo-espaço
comum
a
nós
.
.
.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

As escolhas que conquistamos

...e assim nos conhecemos.
Depois vieram as descobertas.
Descobrimos um ao outro, afinidades e diferenças.
Em alguns dias conversamos muito; em outros, pelo menos um de nós não estava pra conversa
quantos minutos, quantas declarações de amor cada um de nós fez questão de perder
para que conseguíssemos um ao outro prender
Cada um de nós fez seus sacrifícios e cada um de nós sentiu-se feliz por motivos comuns e motivos particulares.
Quantos momentos de ternura alimentaram a nossa paixão...
quanta desatenção eu derramei sobre o calor do que ela sentia
Brigamos muitas vezes e muitas vezes fizemos amor.
e as duas coisas fizeram com que tudo desse certo
e as três coisas fizeram com que seguíssemos em frente
e as quatro coisas, com que seguíssemos juntos
e cada coisa é uma escolha que teve de ser feita
e em cada escolha que virá buscaremos a certeza que já conquistamos:
a certeza
de que a pessoa certa está ouvindo eu te amo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Vendo este imóvel e outros desencontros

Aviso logo que não vou me apresentar. Nada vale que eu diga um nome, idade, altura, cor de olhos, tamanho do pé, profissão, sexo, afinal, sendo eu uma personagem, nada garante que eu seja coisa alguma do que for dito e, caso eu seja real, não gostaria de ser reconhecido assim, por um estranho que me lê. Melhor que nos conheçamos ao acaso, que é a mola propulsora da vida, em todo caso.

Era sexta-feira e eu saíra do trabalho por volta das 18h. Tomei algumas cervejas e conversei o de sempre com a turma do bar, ali na Castro Alves, saindo às 22h em busca de uma boa noite de sono que, antes disso, tornou-se uma interrogação absurda e constante em minha vida, ou melhor, interrogações: bebi além do que imagino ter bebido? Terei de entrar no tarja preta? Estive sonhando que saí do trabalho e passei no bar antes de ir pra casa? Será que é a língua, como entidade viva, querendo se desdobrar diante de mim na forma de uma grande língua longilínea, me explicando que, embora o léxico seja limitado, as possibilidades de gerar sentido são infinitas?

Pois é, meu chapa, ando desassossegado desde que, nesse dia, passando por uma dessas ruelas do Méier, percebi uma linda casinha ( a qual não convém descrever pelos mesmos motivos que julguei conveniente omitir minha apresentação ) com uma placa pendurada em seu portão: Vendo este imóvel.

Eu não vinha pensando em me mudar; simplesmente o imóvel era tão atraente que me deixei ficar ali por um longo tempo, parado, observando cada detalhe da construção e jardinagem, até que percebi um senhor à janela, supostamente olhando pra mim.

- Boa noite, estava admirando sua bela residência.
- Não está à venda.
- Mas a placa diz...
- Não está à venda. Repetiu o velho me interrompendo novamente, sem no entanto utilizar de aspereza ou má educação aparente. Seu tom de voz era ameno.
- Na placa só diz o que fazíamos até começarmos a falar. Prosseguiu.
- Desculpe, não compreendo.
- Eu esperava que não, mas explico. Gostaria de entrar para conhecer a casa por dentro enquanto isso?

Aceitei o convite ainda pensando no que fora dito à entrada, desconfiando de que o velhinho era piroca das ideias. Apesar disso, encontrei uma casa adorável, com amplos ambientes, bem arejada, embora com muitos móveis com muitas gavetas. Também havia muitas portas, que eram ao mesmo tempo entradas e saídas, como qualquer porta. Em poucos minutos percebi que em cada cômodo havia placas: Vendo este corredor, Vendo este quadro, Vendo esta porta fechada, Vendo este piso acarpetado, Vendo estas venezianas espanadas recentenmente, Vendo o movimento dos peixes neste aquário. E pensei em sair de lá imediatamente. De repente, ao mesmo tempo em que o velho me ofereceu um copo de suco de manga dizendo "Não vendo o gosto do suco de manga", a imagem de sua boca  falando veio clara em minha mente: "Na placa só diz o que fazíamos até começarmos a falar."

Foi assim que tudo: o copo, o velho, a casa viraram língua. Inexplicavelemente sem medo, de dentro pra fora, percebi que a língua era eu, e fui engolido por mim mesmo, sorrindo com um último pensamento: velho-sacana-filho-da-puta.

domingo, 2 de outubro de 2011

Limpo e claro

Você me diz que não tem certeza
Meu bem, a certeza é só um luxo
e o luxo é conquistado pouco a pouco
e não há motivos pra ter pressa
mesmo quando a perda de tempo causa tanta dor.

O que eu quero dizer, meu bem
é que não existem alegorias pra explicar
um sentimento.
Não existem meias-palavras.
Simplesmente um sentimento nasce e você sente,
como uma espinha ou um câncer.