terça-feira, 6 de abril de 2010

Homens Primatas


Antes de começar o que quero dizer, creio que seja relevante informar que foram misturados dados antigos, de alguns anos atrás, com fatos recentes, na intenção de constatar que, no fim das contas, é sempre mais do mesmo, como diz o verso de Renato Russo; mas isso todo mundo já deve saber. Espero apenas ser claro e coerente.

Acordei na tarde deste sábado com a visão ainda meio turva e a boca rachando de seca devido aos festejos da noite passada; a luz que entrava pela janela escorregava sobre o meu peito e revelava jornais espalhados pela cama. Jornais de datas diferentes e conteúdos semelhantes, como geralmente são os jornais. Houve, no entanto, uma espantosa coincidência entre o que eu pensava ao acordar e a notícia que saltou sobre mim: Cartunista Glauco, 53, é assassinado em Osasco.

A condição humana e, principalmente, sua propensão à violência, sempre me chamaram a atenção. Toda a nossa história foi construída tendo por base a agressão física. A própria origem da língua portuguesa passa pelas guerras púnicas, por exemplo; grandes descobertas, como a pólvora ou a energia nuclear, foram rapidamente convertidas em meios de destruição em massa; a tortura é prática impossível de datar; acidentes corriqueiros e brigas insignificantes atraem a atenção de transeuntes todos os dias; a maior parte das notícias que ocupam telejornais e veículos de informação em geral, vomitam diversos tipos de crimes e, provavelmente, isto está nos levando a estágios avançados de irracionalidade e insensibilidade. Na verdade, imagino a possibilidade de um retrocesso, como no eterno retorno, de Nietzsche; um ponto de contato com uma selvageria ancestral, um conflito existencial que não se pode ignorar, pois, aparentemente, é nossa sina ad infitum, e temos motivos não só diacrônicos para acreditar nisso, uma vez que acompanhamos a cada ano, sucessivos aumentos nos índices de violência do país. Essa situação se reflete na populção de maneira geral, que vive sob tensão por tempo quase integral, criando uma geração de paranoicos, cada vez mais desconfiados e assustados; comportamento que, de certa forma, se justifica quando nos deparamos com dados como os levantados pela Unesco em parceria com o Instituto Ayrton Senna, segundo os quais as principais vítimas da violência no país são jovens entre 15 e 24 anos, de modo que a proporção de adolescentes que morrem assassinados é quase sete vezes maior do que a proporção de vítimas de homicídio. Entretanto, o problema não se resume a isso, uma vez que o número de assaltos, sequestros, balas perdidas, também apresentam índices alarmantes, e o pior, muitas especulações sobre os motivos, culpados e soluções, sem que se chegue à uma solução eficaz.

É fácil perceber que a crise social, com o aumento do desemprego e da pobreza, tem grande parcela de culpa nos alarmantes números expostos, mas não é a única responsável, havendo um fenômeno relacionado a uma crise existencial de valores, como afirma o ex-presidente Fernado Henrique no livro "O mundo em português" (ed. Paz e Terra, p. 245 e 246), ou seja, toda essa situação de tensão gera uma crise de "irracionalidade selvagem" nas pessoas, como mortes em discussões e atitudes violentas de desprezo à vida do próximo. De modo que vemos notícias como a do cartunista Glauco, das meninas Eloá e Isabela Nardoni, isso pra citar apenas os mais recentes, pois temos o assassinato de Daniela Perez, mais antigo, e muitos outros crimes parecidos que não ganham cobertura da grande mídia. Reconfortante saber que algumas pessoas ainda conseguem indignar-se, compadecer-se ou sentir alguma coisa, por menor que seja, e essas pessoas devem observar que, diante desse quadro, ficamos sem entender porque a solução para a violência nos parece tão distante, se políticos, policiais e especialistas conhecem o problema e convergem em suas soluções; citando ainda o ex-presidente respondendo que solução proporia: "Não há outra a não ser o Estado mais bem organizado, polícia com sentido cívico e mais profissionalizada, maior proteção social, mais educação e mais emprego". Simples não?

A noite começa a cair e ainda não saí do quarto. Estou sujo e enjoado e certo de que pouco ou nada verei mudar, e ao afirmar isto, não pretendo estimular a passividade, ostentar o conformismo. Não. Precisamos exercer nossa cidadania e cobrar cobrar cobrar... mas realmente não sei por onde começar e me sinto mesmo muito mal.

2 comentários:

  1. É amigo, belo post. A questão da violência passa desde de como você fecha o post, falando de educação, emprego e tal. Mas não esqueça que vários casos que você citou ali, eram de pessoas com um nível bem acima daquela violência com cheiro de domingo vespertino no qual estamos infelizmente acostumados. Acho que o trecho abaixo de uma letra do nobre Renatão Manfredini mostra oq que mais ou menos quero dizer.

    " A violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais...
    E você passa de noite e sempre vê apartamentos acessos..."

    ResponderExcluir
  2. Um tema q sei q faltou foi sobre drogas, mas qd digo sobre a crise existencial, e da história humana baseada em sangue, é óbvio q estao as pessoas com um nível bem acima daquela violência com cheiro de domingo vespertino, pois falo de desprezo pela vida do próxmo e pra isso n se precisa ser um pobre ou estar doidao.

    ResponderExcluir