quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O monstro do Riachuelo

Enquanto os policiais me arrastavam pra fora com truculência, uma multidão me cercava aos gritos de MONSTRO, FILHO-DA-PUTA, MORRESEUMONSTROFILHODEUMAPUTA, com todas as outras variações possíveis, ao mesmo tempo em que arremessavam objetos em minha direção, de modo que eu só podia torcer pra que atingissem os policias em vez de mim. Por um instante alimentei a ideia de ser um rockstar, afinal, todo aquele espetáculo fora armado por minha causa, mas a hostilidade me trouxe de volta pra realidade. Todo aquele ódio me parecia compreenssível e não havia nada que pudesse ser feito, mas eles pareciam não compreender isso, gritando e arremessando coisas em vão. 

Meu pai sempre me tratou na base da porrada, mas nunca reclamei, pois sempre fui homem pra reconhecer e aceitar meus erros. O problema é que eu só percebia que estava errado depois de ter feito a merda e parece que não mudou muita coisa até hoje, mas, por outro lado, hoje consegui aprender que sempre descobrem seus erros, ou os meus, no caso. O que estou tentando dizer é que nunca houve raiva de minha parte e que realmente não existe explicação pras coisas ruins que sempre fiz. Nunca fui violento, jamais passou pela minha cabeça fazer tal monstruosidade. Não se pode explicar tudo, doutor, certas coisas devem ser aceitas. A morte é o maior exemplo. Claro, sabemos porque morremos, mas não podemos mudar o fato de que vamos morrer e, da mesma forma, eu sempre faço a coisa errada sem saber que estou fazendo e aceito que não posso fazer nada quanto a isso. Nem quero.

Vou tentar exemplificar: certa vez, ali no Riachuelo, perto da fábrica de sorvetes, eu acho que tinha uns 16 anos, passei por um pombo na calçada e notei que ele não conseguia voar e sua pata estava machucada. Sabendo que no mundo dos animais, quem não consegue realizar o que sua natureza exige, acaba morrendo pelas mãos de predadores ou por não conseguir buscar alimento, segundo a teoria evolucionista de darwin, se não me engano, resolvi ajudá-lo, pois eu sabia que ele seria massacrado pela vida, então pisei nele com toda a minha força, mas ele não morreu e como havia piorado a situação, não tive outra alternativa a não ser pisá-lo de novo e tive que fazer isso muitas vezes e as pessoas na rua me olhavam com horror até que finalmente o bicho estourou. Eu estava feliz. Pois bem, não quero justificar nada, só estou exemplificando meus gestos aparentemente sádicos.

Algum vizinho deve ter notado o choro incomum de bebê em minha casa, tanto pelo volume do choro quanto por eu não ter filhos ou qualquer criança que conviva comigo e avisou à polícia. Saí pra comer alguma coisa e quando voltei eles estavam lá. Tomei um soco na boca do estômago e uma porrada na nuca assim que entrei, de surpresa. Encontraram o bebê já morto, com vetígios de sêmen pelo corpo e uma caneta de plástico enterrada até o fundo do seu cuzinho e, consequentemente, alguns órgãos perfurados e, após me colocarem na viatura e me encherem de insultos e porrada, finalmente me perguntaram se fui eu e o motivo; respondi que havia sido eu mesmo e não quis entrar em detalhes com aqueles animais, por isso me limitei a dizer que quando dei por mim, ele dormia feito um anjinho. Senti um golpe na têmpora esquerda e o sangue escorrendo pelo meu pescoço. O bebê está morto e nada vai trazê-lo de volta, mas todos só pensam em vingança, vivem cheios de ódio e, sinceramente, estou de saco cheio. Era só um bebê, aquela porra nem pensava direito.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CARNA(VA)L

Para de dizer que não parou pra pensar
Para de dizer "foi impossível parar"
Para de dizer o que te importa ou não

Sempre tem mais de um culpado quando se cai em tentação
Eu sei.

Se foi pra dizer só isso já pode ir embora
Quer chutar cachorro morto, só que não tá na hora
Ainda tenho caninos, pré-molares e raiva

pra morder sua bunda magra se você não sair agora
Eu vou.

A refeição foi boa pra você?
A carne estava no ponto?
O melhor tempero é a fome

AGORA COME!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Uma história de superação.

Começo este relato explicando as minhas intenções quando decidi escrevê-lo, muito embora eu saiba que não há porque explicar. Inclusive, os famosos "porquês" têm levado muita gente à ruína emocional e mesmo física, uma vez que nem sempre estamos preparados para encontrar aquilo que procuramos ou, por outro lado, nunca encontrar. Na verdade, quase nunca estamos preparados pra coisa alguma, mas insistimos na busca de sentido pra vida e caímos irremediavelmente na religião, no cientificismo exagerado, na frustração, no desespero e na loucura. Bastam alguns exemplos como Munch, Van Gogh, Bukowski, Chico Mendes, Nietzsche, Cristo, John Lennon, Hitler, Raul Seixas e muitos outros, que sentiam e questionavam demais e se foderam.

O primeiro fato que desestabilizou Van Gogh, por exemplo, foi uma decepção amorosa. E onde ele primeiro buscou abrigo? Na religião. Foi expulso da igreja por tentar defender o povo das injustiças eclesiásticas e governamentais, depois disso começou a encher a cara de absinto e foi pirando assim, sempre em busca de sentido pra tudo e caindo na mais comum armadilha humana. Na verdade, ele caiu em todas elas: buceta, fé e álcool.  Mas a história que pretendo contar é sobre a primeira e a última delas, porque, ao cair em uma, provavelmente cai-se em uma das outras ou mais. Pois bem, vamos ao que interessa.

A última vez que o vi foi na virada de um ano desses para o seguinte e sei que não o verei mais porque sempre que o encontro ele é outro. E ele sou eu.

Eu havia saído de uma festa em um apartamento ali perto da praia de Copacabana e não estava bêbado, pois após tomar duas cervejinhas, o anfitrião me diz na cara de pau que a cerveja está acabando. Corri até a geladeira e peguei outra antes que acabasse e fui embora, deixando pra trás um par de olhos coloridos de verde, azul, ou mel que, ao que tudo indica, seriam meus naquela noite, ou então prefiro pensar assim por tê-la desejado. De qualquer forma, não havia bebida o suficiente e num piscar de olhos eu ganhava a rua onde caminhei por poucos minutos até esbarrar com ele na calçada onde ficam os prédios da orla, que estava menos apinhada de gente do que o famoso calçadão de pedra portuguesa. Ali, podia-se respirar melhor e perceber a loucura que era aquela festança. A alegria transbordava, mas eu sabia que muitos daqueles sorrisos eram de desespero, de pessoas humildes que não tinham conseguido muita coisa no decorrer do ano, no decorrer da vida e punham toda a esperança, que não sei como pode haver tanta, no ano seguinte, mesmo tendo provavelmente as mesmas possibilidades de sucesso. Eu não havia conseguido nada e não esperava nada. Claro, havia os garotões da zona sul com os bolsos cheios e as cabeças vazias e os gringos cheios de tesão nas nossas pretinhas de xota quente e rabo grande. Porra, eu quero fugir dos estereótipos, poderia por ressalvas em cada exemplo desses, mas além de dar trabalho, ficaria entediante, tiraria a fluidez do texto, que parou exatamente no momento em que nos encontramos.

Ele já estava um pouco alterado e trazia uma garrafa de vinho na mão. Abrimos a garrafa e pusemo-nos a conversar dando goles de quando em quando, revezando. De início, pensei em expor a impressão que tive dos tipos que estavam na praia, mas desisti e falamos foi sobre mulher mesmo. A noite não era adequada pra papo intelectual. Deixamo-nos ficar um longo tempo apenas de olhos abertos, como que absorvidos por pensamentos realmente muito importantes e o restante da noite transcorreu na mesma levada, exceto pouco após o estouro dos fogos, quando ele resolveu falar sobre uma tal garota de olhos grandes e vivos que o deixara louco e blá blá blá...achei que fosse mentira ou fantasia de sua cabeça. Subitamente, parou de falar, deu um longo trago no garrafão e disse "é ela. Está vindo". Seu pavor me pareceu honesto.

Acordou com um fio de sol sobre o peito, esperou alguns minutos antes de abrir os olhos como que se preparando pra uma revelação. A cabeça já doía antes mesmo de ver a claridade. Estava em casa? Ainda de olhos fechados tateou o lugar; não era duro nem frio e havia pequenos furos no colchão: Casa. Cauteloso e experiente no que diz respeito a pileques, abriu os olhos bem devagar; aos poucos, o sol cravava alfinetes em suas retinas enquanto abria os braços em uma espreguiçada sofrida. Olhos turvos fitando o teto branco quando sentiu carne na carne do antebraço. Antes de virar pro lado, jurou "nunca mais bebo assim". Depois de tantas noites, seu maior orgulho era jamais ter acordado com uma baranga dentro de casa. Nariz escorrendo, virou enfim para o lado direito e percebeu que ainda estava viva, mas também virada para o lado direito. Tamanho era seu medo que decidiu não descobrir ainda. Foi ao banheiro lavar o ranho branco do nariz e, enquanto isso, ouviu uma voz feminina que dizia bom dia à medida que os braços envolviam-no a cintura. Abriu os olhos de frente pro espelho e de seu ombro esquerdo saía outra cabeça, de hálito quente e olhos negros, lindos...sim, era ela, a deusa inalcançável de quem os românticos tanto falavam, a única garota que jamais conseguiria esquecer, de calcinha e sutiã mordiscando-lhe a nuca.

De volta ao quarto, sentou-se à beira do colchão, serviu-se de um cigarro e quis esbofeteá-la, mas sabia que ela o engoliria tão logo erguesse a mão. Tocou então com gesto aéreo o rosto da cadelinha mas não pôde olhá-la nos olhos e ordenou que a virgem se vestisse para que pudesse imaginá-la, como não deveria ter deixado de ser. Por que não estava lúcido? Agora que ela parecia amá-lo - ao menos havia esboços de sentimento naqueles olhos, naquela ponta de sorriso. Agora que não valia nada.

Queria lembrar de como a danadinha o fuzilou, como o levou pela mão aonde quis que ele fosse. Ele era um cachorrinho sim. A Vênus controlava todo o corpo e mente do moleque que não podia lembrar de como, cambaleante, sustentou a magricela nos braços sem saber que adentrava seu inferno e jogou-a na cama após um beijo com o gosto do brilho labial que ela usava (morango?), arrancando com gesto bruto o sutiã e chupando o seio direito enquanto espremia, incrédulo, o esquerdo. Dessa vez ele se superou. Não lembrava de como aquela penumbra mágica tornara-se nada assim de repente. Nem mesmo memória. Ele queria lembrar daquela noite de relinchos.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Dois poemas sarcásticos e um outro também

O mundo

Deixa as coisas como estão
tudo dentro da tela da tevê
e nas manchetes
dos jornais

jornais que uso pro meu cachorro mijar

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Ela me elogiou

Ela disse que gostou
do que eu escrevo e disse que
gosta de poemas que falam sobre
abandono. Eu entendi.
- ela era danada de feia -
e me incentivou a não parar.

Eu lembro que não sabia ao certo
pra onde ela olhava e me sentia
desconfortável quanto a isso
mas ela foi gentil comigo
e eu
fui gentil com ela.
Poderia até comê-la.

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O cãozinho

O cachorrinho pediu comida
a "mamãe" dele
deu-lhe um ossinho
ele abocanhou o osso e roeu tudo
no canto da sala

- o sorriso subentendido no ar -