sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Lindas


Sempre tive vontade de ver alguém queimando vivo, mais pra descobrir o som da pele toda estalando do que qualquer outra coisa. Aliás, será que esse som é mais alto que o dos gritos? Quanto tempo demora pra cessarem os gritos e ficar apenas o crepitar, creio eu, gostoso da pele? Imagino um enorme bacon. Imagino também que haja um momento-limite da dor onde a pessoa se caga e se mija toda, quando perde o controle sobre si mesma sem estar, no entanto, inconsciente; quase como num orgasmo, onde, em um primeiro momento a gente se retesa todo pra relaxar no momento imediatamente seguinte. Foda é cheiro de cabelo queimado. Ruim demais.

O fogo sempre exerceu grande fascínio não apenas sobre mim, mas sobre a humanidade como um todo. Descoberto, a príncipio, com temor e depois como uma forma de proteger-se do frio e dos animais selvagens pelos nossos antepassados -- mas eles eram ainda pouco desenvolvidos encefalicamente -- até que algum tempo mais tarde, lá pra 1022, o pessoal da igreja começou a associar ao fogo o poder de purificação, de acordo com seus interesses, claro, mas o que defendo é o poder fascinante da chama serpenteando, consumindo a matéria, de modo que alguns hereges eram queimados vivos em fogueiras de madeira verde, para que o sofrimento se prolongasse, e por conseguinte, o prazer do público e dos inquisidores. Certa vez tive a oportunidade de ler sobre um aparelho de tortura chamado a roda de despedaçamento, cujo uso se deu na Inglaterra, Holanda e Alemanha entre os anos de 1100 e 1700 e que consistia no seguinte: o réu era amarrado com as costas na parte externa da roda, sob a roda, colocava-se brasas incandescentes; o carrasco, girando lentamente a roda, fazia com que o réu morresse praticamente "assado". Sim, é inegável que existe essa atração, motivo pelo qual minha curiosidade é exatamente sobre pessoas vivas dançando dentro e conforme as chamas, como uma dupla de dançarinos. Mortos não dançam e, além do mais, não sei porque falo tanto com você, a minha efêmera dançarina. HAHAHA, calma...porque arregalou tanto esses olhos?

Pensando na questão do terrível cheiro de pelos queimados, decidi eliminá-los antes. A cabeça, raspei com gilete. A idiota da gorda grunhia feito bicho atrás da fita adesiva em sua boca; ainda não havia entendido que o corte é sem graça e que deveria guardar seus gritos pro momento certo. Raspei então sua cabeça, mas os demais pelos, resolvi arrancar no fogo mesmo, pra ter uma ideia de como seria aquilo. Fiz uma tocha com um toco de madeira envolvido com um pano embebido em querosene e passava perto dela de modo que eliminasse os pelos dos braços e pernas sem que queimasse a carne. Ela se encolhia em vão. Depois tirei sua calcinha e, com a mesma tocha, extingui os pelos da xereca feia dela e imagino que ali deve ter doído, pois ela se debatia toda, mesmo acorrentada à mesa. Já dava a primeira etapa de meu trabalho por encerrada quando, em um momento de rara felicidade, lembrei que faltavam ainda alguns pontos: sobrancelhas, cílios e narinas. Tão evidente! Nesta região a tocha seria um exagero, de modo que aproveitei pra acender um cigarro, segurei seu rosto com firmeza e aproximei a chama do isqueiro. Nos cílios e nas narinas foi quando tive um real momento de proximidade com o que viria; o cheiro das pálpebras queimadas era gostoso. Fiquei um tempo com meu nariz próximo ao seu rosto, inspirando e expirando lentamente ao som abafado de seus gritos realmente desesperados. Ela já se agitava toda, pronta pra dançar.

Peguei um pincel, untei pacientemente todo o seu corpo com querosene umas cinco ou seis vezes e finalmente retirei a mordaça de sua boca. Ela implorava em nome de Jesus, pelo amor de Deus e outras tolices mais que viraram apenas gritos quando me aproximei com a tocha e ateei fogo em seu corpo. Enumerei algumas respostas para algumas de minhas curiosidades: 1- Ela gritava muito. Gritos longos, bestiais, que cessaram mais rapidamente do que imaginei; 2- Seu corpo, curiosamente, como eu previra, serpenteava no ritmo do fogo que a envolvia ou pelo menos assim me pareceu; 3- após seu silêncio, o som da pele estourando era bem parecido com o de um bacon ou uma fatia de presunto na frigideira; 4- Não reparei se ela se cagou ou se mijou e não me perdoo por isso, mas em contrapartida, ela realmente parecia estar tendo um orgasmo. Talvez o maior de sua vida, pois jamais sairia dele; 5- O cheiro era forte porque era muita carne, que aos poucos, conforme eu alimentava o fogo que teimava em querer extinguir-se, virava pouca carne. Aquele bolo de carne enorme transformou-se em uma incrivelmente menor matéria negra e tão sem graça quanto antes.

Ainda hoje revivo aquele dia com a mesma empolgação da descoberta, sorrindo sozinho com minha filha, quando me flagra, me perguntando se estou relembrando algum amor antigo. Sim, minha querida filha...o mais antigo dos amores! Enquanto minha netinha, na flor de sua inocência e descoberta do mundo ao seu redor, tal como fiz um dia, queima uma lagarta e a observa estalar e retorcer. Lindas.

sábado, 23 de outubro de 2010

Homem com H - uma história nem tão moderna


Quando cheguei em casa, papai estava sentado com a expressão muito séria, como só fazia quando jogava porrinha valendo dinheiro. Em seu rosto se esparramava uma fraca luz amarelada da luminária que ficava ao lado da poltrona; parecia cena de filme de mafioso, principalmente quando ele deu um longo trago no cigarro, calmamente soltando a fumaça pelas narinas. Estava até bonito. O velho tinha charme...deve ter comido muita mulher nessa vida. Cumprimentei-o como de costume e então dissipou-se sua aura de bandido elegante, cedendo lugar ao cachaceiro vulgar que era:

- Ouvi boatos de que tu anda dando o cu; me diz que não é verdade. Não tem nada pior pra um pai do que isso. Aceito até que tu seja bandido, mas ficar por aí chupando pau não dá, os caras já tão me sacaneando no bar. Não tenho nada contra, desde que não seja na minha família.

Meu pai se emputecia comigo porque eu levava piranha pra casa, gastava dinheiro com isso, o que também é errado, pois o lar deve ser respeitado. "As putas, na rua", me dizia; está entendendo a diferença? Tudo bem, serei bem claro então pra tu entender essa porra de uma vez por todas:

Se eu souber que tu dá o cu, é bem capaz d'eu querer dar o meu também.





(O quadrinho da série "O pai do ano", que ilustra o post foi retirado do site www.nintendo.com.br)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Discussões essenciais deliberadamente inconcluídas e esvaziadas de importância

- Não foi bem isso que eu quis dizer; não é que as coisas tenham que ser deste ou daquele jeito, e sim que as coisas já são simplesmente, mas posso botar o nome que eu quiser nelas, porque tem nome muito despropositado nesse mundo. Por exemplo, o carro eu chamo de caro porque não tenho grana pra comprar um; guardanapo eu não chamo de nada porque não uso, embora nunca tenha entendido o que seria um napo... bom, não era bem sobre isso que falávamos, né? Mas deixe-me resumir desta forma: as coisas são o que são e ainda assim não têm razão de ser. Tatua essa porra nas tuas costas que tu vai tirar onda.
Falando sério agora, essa coisa de sempre querer respostas e provas acho uma grande besteira, ainda mais se for apenas com palavras, porque elas não dizem nada, é só uma sequência de fonemas traduzidos em morfemas que vão se agrupando pra gente explicar tudo que existe no mundo. Mais ou menos isso, rsrs. Amor não se fala, amor se faz, se expressa, se sente ou não. A vida não se explica,a vida a gente tem, vive, sente, perde. Origem do mundo, origem da vida...besteira! Fé e ciência estão na mesma canoa furada, enganando as pessoas com provas inventadas, só porque não nos conformamos em não ter todas as respostas. Se aproveitam da nossa solidão e arrogância. Eu não faço perguntas nem formulo respostas e não quero que me façam perguntas nem me exijam respostas. Aliás, me diga só uma coisa: sabe quanto tá o jogo? Não, ainda não estou bêbado, se é isso que você está tentando insinuar com essa cara escrota, de débil mental. Nem tá ouvindo o que estou falando né? Tudo bem, tá tudo guardado no vento, nas moléculas de ar. Um dia alguém pensará igual. Na verdade, acho que nesse exato momento alguém pensou a mesma coisa, pois acho que não existe nada original que não seja em comum. Tudo já foi dito ou pensado ontem ou hoje ou amanhã. Tanto faz, se tudo será esquecido em breve, se tudo morrerá de uma forma ou de outra.

Depois de tão longa divagação sobre tantas coisas, ele percebeu que andava em círculos, que já não tinha mais uma linha coerente de raciocínio e resolveu levantar-se e ir ao banheiro, tomando o cuidado de antes desligar a TV; passou água na cara evitando encarar o espelho. Seguiu direto para o quarto, onde seguiu pensando, com as luzes apagadas, resmungando sobre os planos feitos, os sonhos sonhados e um tempo tão curto para se perder em questões essenciais, sejam de ordem universal, social ou íntima. Abandonara todas as crenças, de modo que não sobrou sequer a crença em si mesmo. Amanhã completará 30 anos sabendo que a maioria das pessoas prefere não viver pra esquecer da vida que levam e reclamam mesmo assim...nós somos complicados e estamos todos certos, somos lindos com essa porrada de defeitos, programados pra definhar. Abriu o maior sorriso de sua vida até então antes de cair no sono; guardando e aguardando ainda tanta alegria. 30 anos e um poema que jamais foi escrito, mas que recebi pelas moléculas de ar e agora transcrevo, lembrando que não sou Chico Xavier, não se trata de metafísica porque ele ainda está vivo:

Já tive um, dois três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez anos
Onze, doze, treze
Quatorze, quinze, dezesseis
Dezessete, dezoito, dezenove, vinte e mais um, mais dois, mais três.
Farei vinte e quatro, vinte e cinco, vinte e seis...

Farei anos todos os anos
e nunca vou saber até quando

Contarei diaas todos os dias
Contarei meses todos os meses
Contarei anos todos os anos
Mas nunca vou saber até quando

Nunca vou saber até quando.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Reencontro

Tarde de sábado. Ontem à noite fez um frio danado, hoje o tempo está fechado e quente; o álcool escapa por todos os poros enquanto raul caminha do méier até a Marechal Rondon, na altura do Engenho Novo.
Amanda está outro fim de semana em casa, cuidando de sua filha. Engravidara aos 16; Não estava nos planos. Cansada e aflita, mas a criança, apesar de tudo, é linda e amada e vive rabiscando as pardes da casa com giz de cera e perguntando pelo pai.

- Teu pai é um filho-da-puta, meu anjo.
- Filho de quem?
Amanda dá um sorriso e se derrete toda em cima da inocência da criança mais linda do mundo.

Três batidas na porta e ela se levanta pra atender; as mãos que bateram eram as mãos de Raul, os braços também, e os olhos e o rosto...não resta dúvida de que é ele. Depois de tantos anos sem se ver, os dois naturalmente ficam estudando um ao outro, procurando alguma grande diferença, mas os desgraçados continuam os mesmos, só um pouco mais acabados, mas tudo bem, pois, afinal, é disso que se trata a vida, ir se acabando. Enfim, ambos mostram os dentes em sorrisos reais e abrem os braços sentindo um ao outro num abraço de olhos fechados.

-Entra aí.

Dentro da casa, ele fez alguma gracinha bem idiota pra criança e ela riu demais, entretanto, ele deixou-a só e se esparramou no sofá. Raul gosta de crianças, mas fica sem jeito de falar manter-se perto delas porque elas não respondem e pensa por um instante no que será que se pode passar na cabeça de uma porra dessas.

- E então, Amandinha, como vai essa brincadeira?
- Ah, tudo normal, sabe como é né...to cansada de viver na merda. Quer uma cerveja?
- Opa! To com uma sede!
- E você, como vai a vida? E as namoradas?
- Com a vida eu vou porque não tem jeito, mas com as namoradas não vou.
- Ué, e aquela que tava contigo um tempão, que você dizia que queria casar, que era teu grande amor...
- Desisti.
- Desistiu porquê? Cê não devia desistir.
- Papo furado.
- Virou viado não, né?
- Hahaha! Não po!

Raul pediu mais duas cervejas, ela trouxe e começou a falar sobre coisas banais e tristes, do tipo que todo mundo pensa: intelectuais, donas de casa, publicitários, cachorros, crianças, coveiros, padres, putas...menos camarão, porque dizem que tem merda na cabeça. Ela estava linda e não sabia que era a ela que aquele homem sempre amara e, enquanto falava, o sem-vergonha ficava observando o modo como ela piscava seus olhos e passava a língua nos lábios de quando em quando e os seios ainda lindos e as pernas e começou a ficar excitado.

- Sabe, eu te amei por muito tempo. Ainda amo, mas agora é diferente, um amor sem sonho, sem expectativa, convertido em conformismo de ter ou não ter; é como eu disse, desisti disso tudo. Merda.

Amanda permanecceu calada, olhando pra esse cara atraente com sua barba por fazer, ombros largos, rosto másculo, pensando que ele já estava meio chapado. Raul deu um bom gole na cerveja, colocou a garrafa no chão e caminhou até a fêmea; abaixou-se, segurou o rosto dela bem perto do seu, olhos nos olhos, a mulher derretida entre suas mãos e súbito desviou o olhar , abaixando a cabeça e balançando-a negativamente:

- Droga, onde fica o banheiro?

Entrou, encarou o espelho durante algum tempo e escapuliu pelos fundos da casa.
Alguém disse que havia inagurado um puteiro barato perto dali.