terça-feira, 27 de abril de 2010

Conceição #2 - Uma canção de amor


Amanhã novamente
vou querer te dizer alguma coisa.
Algumas palavras que terminarão
com o "eu te amo"
que você já conhece tão bem
mas eu nunca disse.

Vou começar exatamente assim:
"Não sei se foi bom ou ruim
te conhecer"
e mesmo depois disso
ainda vai ficar algo a ser dito.
Ainda vai ficar alguma coisa por viver.
Porque você vive apesar de mim
porque já sou grande o bastante pra saber o que você não quer

mas

isso está longe de ser
um atestado de desistência.
E nós nunca vamos entender
o porquê da minha força
mas acho que a resposta está no absurdo da esperança.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Outra reflexão sobre outro fim


Hoje consigo entender
o quanto te incomodei
mas
o que acontece comigo,
eu não aceito perder
sei
que por todo esse tempo
eu só pensava em mim
ao só pensar em você

Tá tudo bem
Tá tudo bem
Acho que tá tudo bem.

Hoje consigo enxergar
só não consigo medir
Não
Meu egoísmo é maior
do que tudo que já vi
Sim
E de situação alguma
aprendo alguma lição
Porque pra língua que falo
não, não há tradução
porque a língua que falo
é a da auto-implosão

Eu

A gente faz tanta coisa
e quer saber tanta coisa
Hein?!
Nenhuma coisa é tanto
tão melhor é esquecer
Hã?!
Tanta pergunta só vai
deixando a gente tan tan
só tentando aceitar
Aceitar.

Tá tudo bem...
Tá tudo bem?
Tá tudo bem.

Acho que tá tudo bem.

sábado, 17 de abril de 2010

Corujando

...então ela mostrou seus pequenos
seios.
dançando e cuspindo a loba
na nossa
mesa.
Deu algumas voltas sobre o próprio eixo
para que a(de)precissiássemos
a exaustão de um ser
com resquícios de alma.
Confesso
que desejei que ela me chupasse
só que eu
era
o menos elegante ??? dentre
os 3
Eu só queria anoitecer ali mesmo
arriar as pálpebras
Fim de expediente.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Voltimeia

Voltimeia um pelo encravado
no rego
me impede de andar direito
e sentar direito
e correr direito
e finalmente,
de viver direito

Voltimeia cometo
um novo ou velho erro
que,
diferentemente do cabelo
inflamado no rego,
não me impede o sorriso satisfeito

e o cabelo-dor que me enche o rego
pode perfeitamente
ser uma pessoa qualquer
metafórica ou em alto-relevo
(carne e osso e dentes
e desejos)
pois muitas pessoas incomodam,
cada uma do seu jeito

e no fundo todo mundo tem
um pentelho encravado no cu
que fere direto no peito.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Brinde


A cada trago
A cada hora perdida
A cada alegria desfeita
A cada mergulho mais profundo
e
sobretudo às guinadas da vida

Eu hei de brindar

A cada rei deposto
A cada ridículo exposto

Eu hei de tomar mais um gole

Engolindo um sapo por vez
Matando um leão
a cada surto de consciência.
A cada hesitação

Hei de pedir outra dose

A cada conquista esperar uma derrota
e de cada derrota vislumbrar
outra conquista

Não escolho a música
mas não dançarei conforme ela
se não me convier
mas nunca deixarei de brindar
-seja ao ridículo ou não-

terça-feira, 6 de abril de 2010

Homens Primatas


Antes de começar o que quero dizer, creio que seja relevante informar que foram misturados dados antigos, de alguns anos atrás, com fatos recentes, na intenção de constatar que, no fim das contas, é sempre mais do mesmo, como diz o verso de Renato Russo; mas isso todo mundo já deve saber. Espero apenas ser claro e coerente.

Acordei na tarde deste sábado com a visão ainda meio turva e a boca rachando de seca devido aos festejos da noite passada; a luz que entrava pela janela escorregava sobre o meu peito e revelava jornais espalhados pela cama. Jornais de datas diferentes e conteúdos semelhantes, como geralmente são os jornais. Houve, no entanto, uma espantosa coincidência entre o que eu pensava ao acordar e a notícia que saltou sobre mim: Cartunista Glauco, 53, é assassinado em Osasco.

A condição humana e, principalmente, sua propensão à violência, sempre me chamaram a atenção. Toda a nossa história foi construída tendo por base a agressão física. A própria origem da língua portuguesa passa pelas guerras púnicas, por exemplo; grandes descobertas, como a pólvora ou a energia nuclear, foram rapidamente convertidas em meios de destruição em massa; a tortura é prática impossível de datar; acidentes corriqueiros e brigas insignificantes atraem a atenção de transeuntes todos os dias; a maior parte das notícias que ocupam telejornais e veículos de informação em geral, vomitam diversos tipos de crimes e, provavelmente, isto está nos levando a estágios avançados de irracionalidade e insensibilidade. Na verdade, imagino a possibilidade de um retrocesso, como no eterno retorno, de Nietzsche; um ponto de contato com uma selvageria ancestral, um conflito existencial que não se pode ignorar, pois, aparentemente, é nossa sina ad infitum, e temos motivos não só diacrônicos para acreditar nisso, uma vez que acompanhamos a cada ano, sucessivos aumentos nos índices de violência do país. Essa situação se reflete na populção de maneira geral, que vive sob tensão por tempo quase integral, criando uma geração de paranoicos, cada vez mais desconfiados e assustados; comportamento que, de certa forma, se justifica quando nos deparamos com dados como os levantados pela Unesco em parceria com o Instituto Ayrton Senna, segundo os quais as principais vítimas da violência no país são jovens entre 15 e 24 anos, de modo que a proporção de adolescentes que morrem assassinados é quase sete vezes maior do que a proporção de vítimas de homicídio. Entretanto, o problema não se resume a isso, uma vez que o número de assaltos, sequestros, balas perdidas, também apresentam índices alarmantes, e o pior, muitas especulações sobre os motivos, culpados e soluções, sem que se chegue à uma solução eficaz.

É fácil perceber que a crise social, com o aumento do desemprego e da pobreza, tem grande parcela de culpa nos alarmantes números expostos, mas não é a única responsável, havendo um fenômeno relacionado a uma crise existencial de valores, como afirma o ex-presidente Fernado Henrique no livro "O mundo em português" (ed. Paz e Terra, p. 245 e 246), ou seja, toda essa situação de tensão gera uma crise de "irracionalidade selvagem" nas pessoas, como mortes em discussões e atitudes violentas de desprezo à vida do próximo. De modo que vemos notícias como a do cartunista Glauco, das meninas Eloá e Isabela Nardoni, isso pra citar apenas os mais recentes, pois temos o assassinato de Daniela Perez, mais antigo, e muitos outros crimes parecidos que não ganham cobertura da grande mídia. Reconfortante saber que algumas pessoas ainda conseguem indignar-se, compadecer-se ou sentir alguma coisa, por menor que seja, e essas pessoas devem observar que, diante desse quadro, ficamos sem entender porque a solução para a violência nos parece tão distante, se políticos, policiais e especialistas conhecem o problema e convergem em suas soluções; citando ainda o ex-presidente respondendo que solução proporia: "Não há outra a não ser o Estado mais bem organizado, polícia com sentido cívico e mais profissionalizada, maior proteção social, mais educação e mais emprego". Simples não?

A noite começa a cair e ainda não saí do quarto. Estou sujo e enjoado e certo de que pouco ou nada verei mudar, e ao afirmar isto, não pretendo estimular a passividade, ostentar o conformismo. Não. Precisamos exercer nossa cidadania e cobrar cobrar cobrar... mas realmente não sei por onde começar e me sinto mesmo muito mal.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Má descoberta


Ela corria nua por gramados verdes e floridos.
Cabelos ao vento. Os lavradores
e os vaqueiros e os animais
a desejavam. Ela sorria e
cumprimentava o sol e a grama.

Era um sonho

Acordou em seu quartinho já cansado
ouvindo os bêbados gritando lá embaixo
e os ladrões roubando
e os motores da cidade funcionando.
Não tinha cerveja nem dinheiro.
Ninguém a desejava.
O espelho estava partido. Seu coração.
Também não havia lindas flores
nem animais fofinhos.
E o sol era abraçado pelo ar pesado da metrópole.

Ela poderia dar aulas de como
perder na vida. Filhadaputa muito azarada.
Perdera toda a crença em santos
e em milagres.
E pensa todos os dias, cabeça entre as mãos:
- diabo safado,
amassa o pão que eu como.