segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Vendo este imóvel e outros desencontros

Aviso logo que não vou me apresentar. Nada vale que eu diga um nome, idade, altura, cor de olhos, tamanho do pé, profissão, sexo, afinal, sendo eu uma personagem, nada garante que eu seja coisa alguma do que for dito e, caso eu seja real, não gostaria de ser reconhecido assim, por um estranho que me lê. Melhor que nos conheçamos ao acaso, que é a mola propulsora da vida, em todo caso.

Era sexta-feira e eu saíra do trabalho por volta das 18h. Tomei algumas cervejas e conversei o de sempre com a turma do bar, ali na Castro Alves, saindo às 22h em busca de uma boa noite de sono que, antes disso, tornou-se uma interrogação absurda e constante em minha vida, ou melhor, interrogações: bebi além do que imagino ter bebido? Terei de entrar no tarja preta? Estive sonhando que saí do trabalho e passei no bar antes de ir pra casa? Será que é a língua, como entidade viva, querendo se desdobrar diante de mim na forma de uma grande língua longilínea, me explicando que, embora o léxico seja limitado, as possibilidades de gerar sentido são infinitas?

Pois é, meu chapa, ando desassossegado desde que, nesse dia, passando por uma dessas ruelas do Méier, percebi uma linda casinha ( a qual não convém descrever pelos mesmos motivos que julguei conveniente omitir minha apresentação ) com uma placa pendurada em seu portão: Vendo este imóvel.

Eu não vinha pensando em me mudar; simplesmente o imóvel era tão atraente que me deixei ficar ali por um longo tempo, parado, observando cada detalhe da construção e jardinagem, até que percebi um senhor à janela, supostamente olhando pra mim.

- Boa noite, estava admirando sua bela residência.
- Não está à venda.
- Mas a placa diz...
- Não está à venda. Repetiu o velho me interrompendo novamente, sem no entanto utilizar de aspereza ou má educação aparente. Seu tom de voz era ameno.
- Na placa só diz o que fazíamos até começarmos a falar. Prosseguiu.
- Desculpe, não compreendo.
- Eu esperava que não, mas explico. Gostaria de entrar para conhecer a casa por dentro enquanto isso?

Aceitei o convite ainda pensando no que fora dito à entrada, desconfiando de que o velhinho era piroca das ideias. Apesar disso, encontrei uma casa adorável, com amplos ambientes, bem arejada, embora com muitos móveis com muitas gavetas. Também havia muitas portas, que eram ao mesmo tempo entradas e saídas, como qualquer porta. Em poucos minutos percebi que em cada cômodo havia placas: Vendo este corredor, Vendo este quadro, Vendo esta porta fechada, Vendo este piso acarpetado, Vendo estas venezianas espanadas recentenmente, Vendo o movimento dos peixes neste aquário. E pensei em sair de lá imediatamente. De repente, ao mesmo tempo em que o velho me ofereceu um copo de suco de manga dizendo "Não vendo o gosto do suco de manga", a imagem de sua boca  falando veio clara em minha mente: "Na placa só diz o que fazíamos até começarmos a falar."

Foi assim que tudo: o copo, o velho, a casa viraram língua. Inexplicavelemente sem medo, de dentro pra fora, percebi que a língua era eu, e fui engolido por mim mesmo, sorrindo com um último pensamento: velho-sacana-filho-da-puta.

Um comentário:

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Caralho, fiquei dopado lendo mas foi muito divertido.

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