quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Uma história de superação.

Começo este relato explicando as minhas intenções quando decidi escrevê-lo, muito embora eu saiba que não há porque explicar. Inclusive, os famosos "porquês" têm levado muita gente à ruína emocional e mesmo física, uma vez que nem sempre estamos preparados para encontrar aquilo que procuramos ou, por outro lado, nunca encontrar. Na verdade, quase nunca estamos preparados pra coisa alguma, mas insistimos na busca de sentido pra vida e caímos irremediavelmente na religião, no cientificismo exagerado, na frustração, no desespero e na loucura. Bastam alguns exemplos como Munch, Van Gogh, Bukowski, Chico Mendes, Nietzsche, Cristo, John Lennon, Hitler, Raul Seixas e muitos outros, que sentiam e questionavam demais e se foderam.

O primeiro fato que desestabilizou Van Gogh, por exemplo, foi uma decepção amorosa. E onde ele primeiro buscou abrigo? Na religião. Foi expulso da igreja por tentar defender o povo das injustiças eclesiásticas e governamentais, depois disso começou a encher a cara de absinto e foi pirando assim, sempre em busca de sentido pra tudo e caindo na mais comum armadilha humana. Na verdade, ele caiu em todas elas: buceta, fé e álcool.  Mas a história que pretendo contar é sobre a primeira e a última delas, porque, ao cair em uma, provavelmente cai-se em uma das outras ou mais. Pois bem, vamos ao que interessa.

A última vez que o vi foi na virada de um ano desses para o seguinte e sei que não o verei mais porque sempre que o encontro ele é outro. E ele sou eu.

Eu havia saído de uma festa em um apartamento ali perto da praia de Copacabana e não estava bêbado, pois após tomar duas cervejinhas, o anfitrião me diz na cara de pau que a cerveja está acabando. Corri até a geladeira e peguei outra antes que acabasse e fui embora, deixando pra trás um par de olhos coloridos de verde, azul, ou mel que, ao que tudo indica, seriam meus naquela noite, ou então prefiro pensar assim por tê-la desejado. De qualquer forma, não havia bebida o suficiente e num piscar de olhos eu ganhava a rua onde caminhei por poucos minutos até esbarrar com ele na calçada onde ficam os prédios da orla, que estava menos apinhada de gente do que o famoso calçadão de pedra portuguesa. Ali, podia-se respirar melhor e perceber a loucura que era aquela festança. A alegria transbordava, mas eu sabia que muitos daqueles sorrisos eram de desespero, de pessoas humildes que não tinham conseguido muita coisa no decorrer do ano, no decorrer da vida e punham toda a esperança, que não sei como pode haver tanta, no ano seguinte, mesmo tendo provavelmente as mesmas possibilidades de sucesso. Eu não havia conseguido nada e não esperava nada. Claro, havia os garotões da zona sul com os bolsos cheios e as cabeças vazias e os gringos cheios de tesão nas nossas pretinhas de xota quente e rabo grande. Porra, eu quero fugir dos estereótipos, poderia por ressalvas em cada exemplo desses, mas além de dar trabalho, ficaria entediante, tiraria a fluidez do texto, que parou exatamente no momento em que nos encontramos.

Ele já estava um pouco alterado e trazia uma garrafa de vinho na mão. Abrimos a garrafa e pusemo-nos a conversar dando goles de quando em quando, revezando. De início, pensei em expor a impressão que tive dos tipos que estavam na praia, mas desisti e falamos foi sobre mulher mesmo. A noite não era adequada pra papo intelectual. Deixamo-nos ficar um longo tempo apenas de olhos abertos, como que absorvidos por pensamentos realmente muito importantes e o restante da noite transcorreu na mesma levada, exceto pouco após o estouro dos fogos, quando ele resolveu falar sobre uma tal garota de olhos grandes e vivos que o deixara louco e blá blá blá...achei que fosse mentira ou fantasia de sua cabeça. Subitamente, parou de falar, deu um longo trago no garrafão e disse "é ela. Está vindo". Seu pavor me pareceu honesto.

Acordou com um fio de sol sobre o peito, esperou alguns minutos antes de abrir os olhos como que se preparando pra uma revelação. A cabeça já doía antes mesmo de ver a claridade. Estava em casa? Ainda de olhos fechados tateou o lugar; não era duro nem frio e havia pequenos furos no colchão: Casa. Cauteloso e experiente no que diz respeito a pileques, abriu os olhos bem devagar; aos poucos, o sol cravava alfinetes em suas retinas enquanto abria os braços em uma espreguiçada sofrida. Olhos turvos fitando o teto branco quando sentiu carne na carne do antebraço. Antes de virar pro lado, jurou "nunca mais bebo assim". Depois de tantas noites, seu maior orgulho era jamais ter acordado com uma baranga dentro de casa. Nariz escorrendo, virou enfim para o lado direito e percebeu que ainda estava viva, mas também virada para o lado direito. Tamanho era seu medo que decidiu não descobrir ainda. Foi ao banheiro lavar o ranho branco do nariz e, enquanto isso, ouviu uma voz feminina que dizia bom dia à medida que os braços envolviam-no a cintura. Abriu os olhos de frente pro espelho e de seu ombro esquerdo saía outra cabeça, de hálito quente e olhos negros, lindos...sim, era ela, a deusa inalcançável de quem os românticos tanto falavam, a única garota que jamais conseguiria esquecer, de calcinha e sutiã mordiscando-lhe a nuca.

De volta ao quarto, sentou-se à beira do colchão, serviu-se de um cigarro e quis esbofeteá-la, mas sabia que ela o engoliria tão logo erguesse a mão. Tocou então com gesto aéreo o rosto da cadelinha mas não pôde olhá-la nos olhos e ordenou que a virgem se vestisse para que pudesse imaginá-la, como não deveria ter deixado de ser. Por que não estava lúcido? Agora que ela parecia amá-lo - ao menos havia esboços de sentimento naqueles olhos, naquela ponta de sorriso. Agora que não valia nada.

Queria lembrar de como a danadinha o fuzilou, como o levou pela mão aonde quis que ele fosse. Ele era um cachorrinho sim. A Vênus controlava todo o corpo e mente do moleque que não podia lembrar de como, cambaleante, sustentou a magricela nos braços sem saber que adentrava seu inferno e jogou-a na cama após um beijo com o gosto do brilho labial que ela usava (morango?), arrancando com gesto bruto o sutiã e chupando o seio direito enquanto espremia, incrédulo, o esquerdo. Dessa vez ele se superou. Não lembrava de como aquela penumbra mágica tornara-se nada assim de repente. Nem mesmo memória. Ele queria lembrar daquela noite de relinchos.

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