quarta-feira, 6 de abril de 2011

A ironia da evolução

Era a pessoa mais sábia do lugarejo. É bem verdade que isso não significa muita coisa, pois a localidade é uma espécie de microcosmo da Bruzundanga de Lima Barreto, mas acontece que a história precisa ter um começo.

Mesmo os mais céticos, em algum momento, recorrem, recorreram ou recorrerão à ela pois, no desespero, a gente apela pra qualquer coisa; o ateu reza, o evangélico vai na benzedeira, ou então procuramos a pessoa mais sábia da aldeia, como faziam nossos antepassados indígenas, e como fazem os habitantes deste curioso povoado, que parecem não ter se decidido entre o passado e o futuro, adorando o Deus-Tecnologia ao mesmo tempo em que praticam simpatias e outros tipos de crendices sem qualquer comprovação científica.

Dia desses, uma nordestina assanhada que atendia pelo nome de Francinete e mudou-se pra lá para viver com seu marido, recorreu à luz da guru (que aconselhava os que a procuravam sobre os mais diversos assuntos, cobrando apenas uma bala de morango), pois começara a perceber ou imaginar um certo desinteresse por parte do esposo, o qual não dava um trato na boneca havia alguns dias. Pois bem, após desabafar seus medos e dúvidas, obteve a resposta: "que tal você fazer um chá beeeeeem gostoso?" Francinete sorriu e julgou ter compreendido a mensagem. Agradeceu em êxtase e, já na rua, pôs-se a pensar: "vô dar um chá de buceta em Everaldo que o pau dele nunca mais vai descer".

Um outro senhor endividou-se com um agiota, o que lhe gerou ameaças contra sua integridade física e de sua família; desesperado, procurou pela sábia guru contando seu dissabor, recebendo como conselho que "é legal dar um pulo bem grandão!". Entre lágrimas, o velho concluiu que a honra de seu nome e a segurança de sua família eram o que possuía de mais valioso e atirou-se da varanda do apartamento onde passara toda a sua vida conjugal ao lado da esposa, que também já se havia aconselhado acerca de uma proposta de emprego.

Chamavam-na Sinhazinha, e hoje, conforme fiquei sabendo, ninguém mais a procura, coisa que não afetou sua vida em absoluto. Sinhazinha atende pelo nome de Vitoria e é uma pessoa que de fato carrega consigo todos os atributos que seu nome pressupõe: é saudável, forte de corpo e mente, determinada, astuta, carismática, bondosa sem ser otária e linda.

Fico devendo o nome e o modo como iniciei minha conversa com o camarada que me contou essa história, o que, de qualquer forma, seria informação desnecessária, pois todos sabemos que no bar as amizades são tão fáceis quanto efêmeras. Posso é dizer como fiquei curioso por saber o motivo pelo qual deixaram de procurá-la, trocando esta sensação pelas de surpresa, deslumbramento e tristeza misturadas ao receber a resposta:

- Sinhazinha tinha 3 anos. Conforme foi crescendo, tornou-se ignorante como outro qualquer.

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