sábado, 20 de março de 2010

Danada

Saboreava seu cigarro quando viu uma menina, uma mulher, uma vagabunda, uma rainha, uma deusa...não importa. Dezoito anos no máximo, mas ele a observou com seus olhos de trinta e poucos anos. Deslumbramento infantil, deu um trago forte no cigarro, esperou a fumaça aquecer os pulmões e, por entre a fumaça que dançava diante dos seus olhos, a criatura se afastava. Decidiu que a seguiria apenas para observar por mais tempo aquela rara beleza que, pode-se dizer sem medo de exagero, faria Narciso cuspir n'água.

De fato, só observaria mesmo, pois não tinha segurança nem cara de pau para abordar tão graciosa pequena com frases pré-fabricadas ( boas ou ruins), nem com elogios espontâneos e, muito menos era um desses tarados. Não. Era simplesmente um admirador das coisas espontaneamente belas e estudava cada detalhe, principalmente de rostos, geralmente sem nenhum interesse sexual, a princípio, nem finaceiro ou científico ou qualquer que seja o tipo de interesse naqueles rostos de mulheres, crianças e homens; tendo para si que era aparte mais temporária, a mais difícil de disfarçar, quando é justamente o que a maioria das pessoas tenta fazer, apesar de sempre acabarem se traindo, o que finalmente, nos leva ao problema: as pessoas que se mostram do jeito que são.

Essas sim, são tão belas que o fazem sentir profundo desgosto, pois, apesar de tudo, em breve também se tornarão insuportáveis, porque a intimidade expõe a pessoa que até pouco era perfeita. Eis o principal motivo pelo qual o casamento, progressivamente, está se tornando uma instituição falida e pelo qual gostava de observar esses rostos como se fossem fotografias ou filmes e não conseguia se interessar por ninguém, porque tinha pavor de conhecê-la, de conhecer qualquer um. Pavor por ter certeza de que tão logo abrissem a boca, ou talvez pouco depois, se mostrariam tão feios quanto uma queimadura em alto grau. [ Ela ]. De qualquer forma, não se conteve e partiu no encalço daquele aglomerado de carne bem distribuída, abandonando sua cerveja sobre o azul do balcão do bar.

enquanto seguia a moça, pensou na razão de tal comportamento e quase julgou-se irracional, mas (in)felizmente lembrou que todas as mulheres que teve foram absurdamente feias, ou tornaram-se feias, ou pareciam-lhe feias e ainda por cima o traíam, com certeza. Lixo traindo lixo. Nomes que já não lembrava mais, dessas beldades da madrugada cujo amor perece com tanta facilidade, que foram seus grandes amores ( alguns até prometeram vida longa ) e que somados não contam mais de um ano e meio. Os românticos definitivamente eram tão tolos quanto tuberculosos. Como parece fácil se apaixonar e mais fácil ainda, se desapontar.

Ela andava com uma sensualidade tão despreocupada, balançando o cabelo, exibindo aquele pescocinho de quando em quando que, por vezes, parecia-lhe puro despudor. Mas não, ele esbarrava desastradamente nos pedestres, suando em bicas, tentando acompanhar o deslizar do anjo. Viu aquele anjo transformar-se novamente na Vênus quando, num gesto deliciosamente casual, descolou a calcinha da bunda. Filha-da-puta. Aquilo foi a gota d'água, pois não se conformou com a mulher horrenda que o esperava, por saber que era mais um desses casos sem grandes expectativas, pelo menos de sua parte ( como era geralmente ). Enfim, não se conteve e emparelhou com a Danada; o rosto tão vermelho e suado que por um momento a espantou mas, recobrado o fôlego, olhou-a por uns segundos, era extremamente simpática, e tirou do bolso uma camêra fotográfica pedindo para que ela batesse uma foto sua. A foto que decoraria sua lápide no centro da coroa da flor mais vagabunda.

Voltou pra casa e começou a escrever seu obituário.

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