quinta-feira, 4 de março de 2010

Dia de azar por anos a fio

Mauro até deu um sorriso e esboçou algumas palavras que pudessem confortar a si mesmo, mas não conseguiu sair do nível do pensamento, até porque, sempre achou que falar sozinho é coisa de maluco ou de quem quer aparecer. Olhou então por entre os tijolos gastos da parede do bar e pensou: Daqui a pouco o Flamengo joga; se fico aqui, tomo outro porre e corro o risco de me fuder.
Pediu uma cerveja e pensou que tem gente muito mais fudida que ele e que deveria mesmo tomar um porre e chorou quando viu no jornal a notícia de que um homem de seus 30 anos fora morto dentro do ônibus quando voltava da casa de sua noiva, com um tiro na têmpora esquerda a queima roupa, disparado pelo passageiro ao lado simplesmente porque estava chovendo e ele não quis abrir a janela como aquele pedira talvez não tão educadamente. Morreu na hora por causa duma merda dessa.

Existe um abismo enorme entre o que se pode fazer e o que é feito, e o que se pode fazer é incomparavelmente maior do que o que é feito e esta pequena teoria formulada por um sábio contemporâneo, cujo nome prefiro ocultar por modéstia, se aplica a indivíduos, grupos de indivíduos, bairros, quarteirões, municípios, cidades, Estados, Nações, Associações de moradores, Prefeituras e todos os governos e digo mais: não é novidade pra ninguém, mas creio que o mérito deste notável rapaz esteja em querer ampliar o alcance deste pensamento, de modo que, partindo do indivíduo, o mundo inteiro seja modificado pra melhor; o que na verdade é tolice, pois a história mostra que todos os que almejaram tal empreitada ou tomaram no cu, ou viram seus sonhos deturpados por aproveitadores/enganadores, ou simplesmente deram com os burros n'água e isso passa por cristo, Guevara, Raulzito, John Lennon, Joel Silveira, Gandhi, Vitor Motta, Teresa de Calcutá, Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Robin Hood e muitos outros nomes célebres que tiveram seus sonhos frustrados. Mas é a vida, porra. Fazer o que? Uns sonham e outros destroem sonhos. Não é pior do que parece ser. Havia, inclusive, uma antiga canção que se perdeu hoje em dia por causa da cultura de massa acéfala, que dizia algo parecido com isso de não desistir de realizar um sonho apesar dos pesares, mas acontece que também não lembro como era tal canção.

Era Marcos seu nome, não Mauro; mas não faz diferença. Ele começou a lembrar de pessoas com quem jamais conviveu, como o louco que gritava na Padre Manso, perto da estação de Madureira e fazia flexões no meio do trânsito, sob a chuva, ou o velho que teve um AVC ao seu lado num bar do centro, e sempre acabava pensando que nunca se está fodido o bastante. Pelo menos, nada que não possa piorar.

O jogo desta quarta-feira chuvosa era pela Taça Rio, segundo turno do mais que papado cariocão que, apesar disso, é sempre mais um título na bagagem a ser festejado nos bares. E nesse dia, o Mauro estava no bar desde a hora do almoço, quando pediu um carré bem passado com couve arroz e feijão e uma cana pra ajudar a digestão. O jogo era às 21:50 e ele temia não estar sóbrio o bastante pra ver ( o que de fato aconteceu ) ou ter outra crise de fígado ou seja lá o que for que o preocupava . O mengão ganhou o jogo contra o Madureira em um Maraca nada cheio e uma atuação que parecia refletir a tristeza dos espaços vazios e da chuva que caía. Eu mesmo, no bar, também me sentia meio estranho tal qual o Mauro. Aos 14 do primeiro, Fernando deixa sua marca pra só aos 43 do segundo, Love ampliar o placar pra 2 x 0. Não se tem muito mais o que falar sobre este jogo, pois confesso que niguem prestou muita atenção e só lembro bem de quando percebemos a ausência do Marcos, que sumiu pelos 3 dias que se seguiram. Dizem que andou internado por forte infecção gastrointestinal, mas parece que fugiu do hospital porque ficou puto de ver as condições em que eram mantidos os pacientes internados, em lençóis no chão do corredor, em cima de bancadas de alumínio, todos cagados e mijados por falta de cuidados. Uma merda. O Estado realmente não funciona pro povo.

Foi encontrado alguns dias depois dentro de um vagão na central do brasil com a mesma camisa do Flamengo que vestia no dia do jogo, todo cagado e sabendo que nada mudaria tão cedo pra melhor. Tinha 24 anos e não deixou mulher ou filhos. Eu mesmo não o conhecia e não sei se toda essa história é real ou não, pois é fruto de uma breve conversa que tivemos neste dia. Aliás, se uma história existe, deve ser real, mesmo sendo ficção. Real por exisitir no mundo, mas isso não vem ao caso.

Um comentário:

  1. Porra muito irado!
    Esse Marcos ai me lembra uma pessoa!
    Po muito maneiro mesmo meu jovem!

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